Quando o filme de My Hero Academia: Dois Heróis chegou dublado no Brasil, um dos dubladores mais conhecidos no país, Guilherme Briggs, foi quem fez a voz do All Might.
Porém, com o incio das gravações da dublagem para a série anime, uma polêmica estourou pois o estúdio responsável pela obra não chamou os mesmos dubladores que fizeram o longa, com exceção dos dubladores Lipe Volpato (Izuku Midoriya), Fábio Lucindo (Katsuki Bakugo) e alguns como Vii Zedek (Tsuyu Asui) que não aceitaram reprisar o papel em consideração aos colegas que não foram chamados.
Por essa razão, fãs da série e da dublagem do filme começaram a reclamar. Até que Guilherme Briggs se posicionou em seu twitter e em sua página no facebook sobre o caso.
Confira o texto do dublador:
Recentemente veio a público que a série animada de My Hero Academia está em processo de dublagem e muitas pessoas têm pedido um posicionamento da minha parte sobre o ocorrido e até mesmo um esclarecimento de fatos sobre versões divergentes da história, que estão sendo debatidas.
Durante os últimos dias busquei entender a perspectiva de outras pessoas relacionadas ao projeto, tanto de colegas substituídos quanto de dubladores escalados pelo estúdio em questão, que até mesmo desistiram dos papéis em respeito aos colegas.
É definitivamente uma situação muito chata e delicada, da qual eu já havia tomado conhecimento na época do início das gravações da dublagem da série pela Dubrasil, em Janeiro de 2020, mas tanto por ética profissional quanto por respeito às pessoas envolvidas, decidi que não iria me pronunciar publicamente e nem tentar exercer algum tipo de influência sobre o processo de dublagem.
Porém, recentemente surgiram muitas divergências de fatos, trazidos a público por pessoas relacionadas ao estúdio, inclusive divergências em relação à comunicação estabelecida em e-mails enviados a mim por um colega dublador, fundador do estúdio em questão, onde na sua assinatura está designado como “Artistic Director” da empresa. Por isso decidi que é importante, sim, eu tomar partido e apresentar ao público todos os fatos dos quais tenho conhecimento nos últimos meses e fatos dos quais passei a ter conhecimento nos últimos dias.
Independentemente de outras especulações, que vejo que de forma geral permeiam os comentários na internet, nesse momento vou me ater às informações que tenho em mãos e que posso comprovar.
Primeiramente, sobre os testes de som: assim como foi divulgado, eles ocorreram entre o fim de Fevereiro de 2019 e o meio de Abril do mesmo ano. Sendo que, tenho ciência de testes de som gravados em quatro estúdios diferentes, três no estado de São Paulo e um no Rio de Janeiro. Os testes desses quatro estúdios foram iguais, o episódio inicial de dois dos animes do cliente em questão.
Importante frisar que testes de som, assim como já citado em uma matéria, não geram vínculos em relação a vozes selecionadas, pois se tratam de uma avaliação do estúdio como um todo, critérios técnicos de qualidade de captação de áudio, mixagem, valores em termos de custo-benefício, entre outros parâmetros.
Inclusive o mais comum, em relação a testes de som, justamente por se tratar de uma avaliação do estúdio em si, é se dublar, muitas vezes, trechos ou um episódio de algum conteúdo do cliente que já tenha sido dublado anteriormente, material esse muitas vezes já exibido. Este não foi o caso do cliente em questão, logicamente, por se tratar da sua primeira incursão no mercado brasileiro.
Da mesma forma, o longa animado, My Hero Academia – Dois Heróis também passou por testes neste mesmo período em estúdios de São Paulo e Rio de Janeiro, a partir dos quais a Sato Company definiu que o estúdio a dublar o longa-metragem seria a Unidub, e também fez a seleção das vozes dos protagonistas. A definição da Unidub como estúdio de dublagem do longa animado se deu em meados de Abril, período em que, como mencionado, ainda estavam ocorrendo os testes de som para o cliente da série, algo de que não tínhamos ciência no momento.
O longa foi dublado na segunda quinzena do mês de Maio de 2019, e seu elenco amplamente divulgado até a data de seu lançamento no dia 08 de Agosto de 2019. Sendo que, antes mesmo disso, no dia 6 de Fevereiro de 2019, a Sato Company havia anunciado que o filme seria lançado com cópias dubladas no cinema.
Foi um projeto que trouxe alegria a todos os envolvidos, além de um clima de muita união entre todo o elenco e equipe de produção, sem contar todas as demonstrações de carinho que recebemos do público.
Mas, infelizmente, aquilo pelo que mais esperávamos e ansiávamos não aconteceu. Na primeira semana de Janeiro de 2020, eu e os demais colegas envolvidos na dublagem do longa ficamos sabendo que a dublagem da série de My Hero Academia havia sido iniciada naquela semana. E para nossa surpresa, a maior parte do elenco tinha sido substituída.
Como já declarado em diversos vídeos no YouTube, os únicos dubladores do longa animado presentes na série mantidos em seus respectivos personagens, são Fábio Lucindo no Bakugo e Lipe Volpato no Midoriya. Eles também tentaram manter mais duas dubladoras do longa animado, e uma não pôde dublar por questões de agenda, segundo o que me foi relatado, e a outra, a nossa querida Vii Zedek, dublou três episódios da Tsuyu, mas logo em seguida abdicou da personagem por respeito aos colegas substituídos.
Desde o começo do processo de dublagem da série, em Janeiro de 2020, foi passado pela Dubrasil a diversos colegas um argumento, que recentemente vazou através de algum dublador não-identificado que trabalha na casa, de que o projeto da Dubrasil teve início ANTES do filme, com os testes de som. Porém existem diversos pontos de falha nesse argumento.
O primeiro deles é o conteúdo do teste de som de My Hero Academia: o teste continha apenas cenas do episódio 1 da série animada, no qual os únicos personagens fixos da série presentes são: Midoriya, Bakugo e All Might. Com isso surge a pergunta: O que justifica a troca de todo o restante do elenco?
E o segundo ponto de falácia é que eles nem sequer respeitaram o elenco dos próprios testes de som da casa, pois apenas o dublador do All Might do teste foi mantido. Os dubladores tanto do Midoriya quanto do Bakugo foram mantidos em relação ao filme, e esses dois dubladores não foram as vozes do teste de som da casa. Além disso, na série Attack On Titan, também chegou ao meu conhecimento que uma dubladora que fez uma personagem relevante no teste de som da Dubrasil não foi escalada para a personagem na série, o que mostra imensa incoerência do estúdio em relação a sua suposta “fidelidade” aos testes de som.
Outro ponto que é importante mencionar, e que refuta a seleção prévia, foram as desistências de dubladores escalados para a série. Houve pelo menos outros dois casos de dubladores escalados para dublar personagens na série que também abdicaram dos personagens em respeito aos colegas que dublaram os personagens no longa-metragem. Sendo que esses dubladores nunca haviam feito testes para a produção na Dubrasil (assim como a Vii Zedek, que sequer havia trabalhado previamente na empresa ou feito registros de áudio para eles). O que torna a situação ainda mais desleal foi a falta de comunicação por parte do estúdio de que eles estavam substituindo colegas em personagens previamente escalados, o que fez com que ambos abrissem mão dos papéis ao saberem do ocorrido.
Além disso, no dia 11 de Janeiro, mais de uma semana após o começo da gravação da série, recebi o primeiro de uma pequena série de e-mails do fundador da Dubrasil. Ele comenta todo o ocorrido e ele tenta não apenas jogar a responsabilidade para mim, como também me colocar em uma situação extremamente delicada, na qual pede que eu sugira uma “solução” para a questão. Ele inclusive mencionou a possibilidade de parar as gravações para que eu retornasse como All Might, não mencionando nada sobre os outros colegas. O que achei extremamente desrespeitoso para com meus colegas e inclusive para com o colega que já estava dublando o All Might na série. E em minha primeira e única resposta aos seus e-mails, por não se tratar apenas de mim e sim de um elenco de mais de uma dúzia de pessoas, questionei se essas pessoas também iriam voltar aos seus personagens. No e-mail seguinte, ele mudou a sua narrativa, dizendo que trocar o dublador do All Might escolhido no teste jamais foi uma opção, contrariando o que ele mesmo havia dito no e-mail anterior.
E o mais importante de tudo é que ainda no primeiro e-mail dele para mim, ele AFIRMOU que quando seu estúdio foi aprovado, ele JÁ TINHA conhecimento da dublagem do filme. E também atestou que ao perguntar ao seu cliente qual atitude tomar, o cliente lhe deu a liberdade de utilizar o elenco que melhor lhe conviesse, desde que não afetasse prazos e custos.
Uma informação relevante a ser trazida a público é que nós dubladores, tanto em São Paulo quanto no Rio de Janeiro, somos remunerados seguindo regras pré-estabelecidas em acordo/convenção coletiva de trabalho. Ou seja, o custo do projeto em si não se alteraria apenas por se respeitar o elenco do filme. E mesmo em caso de prazos apertados, o mínimo esperado de um estúdio com conduta ética seria tentar contato com os dubladores do filme, o que não aconteceu com a quase totalidade do elenco.
Acho importante ressaltar também que tudo que estou trazendo aqui não se resume ao All Might, aos colegas de elenco e a dublagem de My Hero Academia. É sobre um caso de desrespeito de um estúdio para com toda uma categoria profissional e também para com o público. Ao analisar todo esse contexto eu não pude me manter calado, pois “passar pano”, ficar quieto, tendo em vista tudo que tem acontecido e todos os fatos que tenho em mãos de maneira comprovada, seria compactuar e assinar e embaixo com a atitude antiética e desrespeitosa do referido estúdio, além do fato de abrir um perigoso precedente de impunidade para toda uma categoria.
artigo interessante..