Uma Dramédia Natalina por Satoshi Kon Tokyo Godfathers é um filme poderoso e tocante que nos faz refletir sobre os valores mais importantes da vida

Bolinhodearroz
Tokyo Godfathers
©Madhouse / Tokyo Godfathers

Nesse final de ano resolvi trazer uma grande produção natalina para deixar nossos corações aquecidos. No entanto, esse não é um filme de Natal comum, afinal foi produzido pelo excelentíssimo Satoshi Kon, responsável por tantas obras primas que conhecemos.

Tokyo Godfathers é o título dessa animação que foi lançada em novembro de 2003 pelo estúdio Madhouse e traz dentro de seu enredo uma grande reflexão sobre pontos importantes da vida.

Tokyo Godfathers
©Madhouse / Tokyo Godfathers

Sinopse:

O alcoólatra Gin, a adolescente que fugiu de casa Miyuk e a ex-drag queen Hana formam um trio que vive nas ruas de Tóquio, fingindo ser uma família. Na véspera de Natal, eles encontram um bebê abandonado em uma lata de lixo. Com apenas algumas pistas, os três andam pelas ruas da cidade tentando encontrar os pais da criança.

Tokyo Godfathers
©Madhouse / Tokyo Godfathers

Partindo do princípio, vamos entender um pouco sobre os personagens principais da história: Hana, Gin e Miyuki. Desde os primeiros minutos nos é revelado que são três moradores de rua, porém com um vínculo afetivo que os torna grandes amigos, dessa maneira, é muito comum vermos brigas atrás de brigas porém eles voltando a se ajudar logo depois.

Esses três personagens possuem, cada um seu próprio passado triste, que os levou até aquela situação, e suas próprias personalidades, que os mantém unidos e na luta durante toda a história. Eles enfrentam as dificuldades de quem mora nas ruas e precisa buscar todas as maneiras de sobreviver, mas que ainda deseja um contato afetivo com alguém.

Tokyo Godfathers
©Madhouse / Tokyo Godfathers

É quando o trio demonstra conformação com essa vida difícil, porém inevitável, que tudo muda ao encontrarem um bebê abandonado. Logo de cara cada um possui a sua própria opinião sobre o que fazer naquela situação, devido às suas diferentes personalidades, mas logo decidem por aquela que seria a decisão determinante que mudaria não apenas a vida daquele bebê, como também a deles próprios.

Como sempre, busco de todas as maneiras possíveis não entregar nenhum spoiler aqui, por isso será preciso assistir Tokyo Godfathers para saber de todo o caos que acontece desse momento para a frente e entender o que direi a seguir.

Tokyo Godfathers
©Madhouse / Tokyo Godfathers

A animação, de maneira geral, nos faz refletir muito sobre o abandono e a importância da família, usando aqueles personagens marginalizados para trazer à tona esse sentimento. Mas não apenas sobre o que se perdeu ou o que se deseja ter, que vemos durante toda a trajetória da história, pois também nos é escancarado algumas das grandes mazelas da sociedade, como a desigualdade social, a pobreza, a fome, a discriminação, a violência e os fracassos pessoais. Tudo isso está envolto em um grande roteiro que mistura comédia e drama, em que nada se deixa passar despercebido e se conclui como uma obra esplêndida.

Ao explorar esse tema de família, o longa-metragem animado traz que uma família não é apenas composta por pais e filhos biológicos. Ela pode ser composta por qualquer grupo de pessoas que se ama e se apoia e, além de tudo isso, existe a possibilidade de redenção para aqueles que fizeram péssimas escolhas que é muito bem abordada por aqueles protagonistas e está intrinsecamente ligada à abordagem do conceito de família, afinal uma família de verdade irá sempre te perdoar e te aceitar de volta a qualquer momento. Cada um dos protagonistas se enxerga naquele bebê que está em busca de amor e de retornar para sua família, assim surgindo esse sentimento de compaixão e de apego.

Tokyo Godfathers
©Madhouse / Tokyo Godfathers

Enquanto isso, durante essa busca pelos pais da criança, toda a jornada leva os três protagonistas a refletirem sobre suas próprias vidas. Eles começam a perceber que, apesar de suas dificuldades, eles ainda têm muito a oferecer. Eles aprendem a importância da família, do amor, da compaixão e, acima de tudo, do perdão. Durante todas essas dificuldades que os personagens enfrentam em sua aventura, eles entendem que a esperança e a redenção são possíveis, mesmo para pessoas que vivem na mesma situação que eles. Esse elemento de esperança que se permeia no filme tem como principal ambientação o fato de que, apesar desse clima noturno e com toda a escuridão, ainda temos tudo cercado por algumas imagens coloridas e os elementos de comédia que injetam uma certa leveza e esse suspiro de esperança para os três protagonistas com seu final tão emocionante.

Tokyo Godfathers
©Madhouse / Tokyo Godfathers

Porém, por outra perspectiva, o longa-metragem Tokyo Godfathers nos revela uma horrível face de Tóquio que é mostrada como sendo uma cidade miserável, cheia de lixo e vielas imundas que servem de moradia para muitas pessoas que são retratadas e tratadas como párias dessa sociedade que se acha muito melhor por ter um teto acima de suas cabeças. E assim, em diversos momentos, essa sociedade não parece oferecer quaisquer respostas para seus problemas sociais, como essa pobreza que a cerca, como vemos em alguns momentos específicos. Toda a história do filme vai retratar uma emocionante aventura, cujo cenário de fundo é esse lado negativo de uma sociedade rodeada pela necessidade do consumo.

Tokyo Godfathers
©Madhouse / Tokyo Godfathers

Assim como outras grandes obras de Satoshi Kon (Paprika, Perfect Blue, Memories, etc.), essas reflexões e temáticas abordadas ao mesmo tempo que são discutidas abertamente no decorrer de toda a história, também não ficam tão explícitas assim. Nós entendemos suas abordagens, chegamos juntos à conclusão que ele nos propõe, mas apenas nos deixando levar pela obra como um todo, absorvendo cada detalhe e sendo guiados por essa genialidade de Satoshi.

Enquanto isso, o Natal e seus simbolismos são constantemente colocados em evidência a partir de cada detalhe na animação, algo que apenas olhos mais atentos poderão notar. No entanto, há pouco espaço para o sentimentalismo ou para a magia no filme, pois são continuamente desafiados pelo realismo. Em resumo, nenhuma minúcia ali é colocada apenas pelo acaso, é tudo muito bem planejado e então, Satoshi Kon, desenvolve uma história original tanto a nível narrativo como estético, apresentando uma mistura de realismo e momentos quase mágicos, estes últimos adequados ao cenário natalício do filme. É um equilíbrio crescente entre realismo e milagres, trazendo esse espírito do natal de maneira forte para quem assiste, enquanto se desenrola toda a sua carga dramática.

Visualmente, o longa é deslumbrante, com uma animação fluida e detalhada, e uma direção de arte impecável. Os 20 anos de distância entre seu lançamento e o nosso ano atual não implica em quase nada, afinal esse longa é tão maravilhoso que nem sequer percebemos a diferença no uso de recursos tecnológicos.

Tokyo Godfathers
©Madhouse / Tokyo Godfathers

Um exemplo claro dessa genialidade de Satoshi Kon e sua maneira de dirigir animações é quando podemos notar até mesmo como a cidade é tratada como outra personagem do filme e vem sendo apresentada de maneira bem vibrante e viva. Uma excelente escolha também está na ausência de trilha sonora em grande parte das cenas do filme, onde se deixou espaço para os ruídos da cidade e os sons do vento e da natureza ao seu redor para demonstrar essa realidade calculada pela sua produção. Mas nem ao menos sentimos falta de qualquer trilha de fundo, pois os enquadramentos, os jogos de luzes e de câmeras tornam desnecessário esse uso de qualquer música, afinal toda a carga dramática consegue ser sustentada pela grande direção de arte e de roteiro. Ali tudo também é desenhado de uma maneira incrivelmente realista, desde a semi transparência dos sacos de lixo, até mesmo o brilho especial da neve ou a respiração das pessoas mostrada pelo frio, trazendo uma realidade significativa e profunda para algo que poderia ser uma simples animação.

Tokyo Godfathers
©Madhouse / Tokyo Godfathers

Os personagens também são muito bem desenvolvidos e carismáticos, cada um com seu tempo de tela necessário, nos levando a compreender suas ações e seus arrependimentos de uma maneira muito orgânica. Os três sem-teto são personagens complexos e cativantes, e a criança abandonada é uma personagem doce e sensível. Esses três protagonistas, durante sua jornada, são claramente retratados como “excluídos” do resto da sociedade, mas ainda assim eles não agem com ódio de ninguém e não demonstram tanto incômodo pela maneira como são tratados, algo que nos revela o fato de já estarem acostumados a serem as pessoas marginalizadas.

De maneira geral, a história é envolvente e emocionante. O filme é cheio de surpresas e reviravoltas, e o final é comovente e satisfatório. Tokyo Godfathers, portanto, é um longa-metragem magistral que combina elementos de animação, drama e comédia de forma brilhante. É um filme que vai ficar com você por muito tempo depois de vê-lo, pois vai te emocionar e te fazer pensar muito em todos esses aspectos, sobretudo agora que estamos tão perto do Natal.

Tokyo Godfathers
©Madhouse / Tokyo Godfathers

E aqui encerramos mais um ano,com mais uma grande indicação. Não se esqueçam, portanto, de nos ajudar compartilhando em suas redes sociais e comentem o que acham dessa produção ou se possuem mais alguma indicação de produção natalina para passarmos à frente.


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