Recentemente iniciei uma leitura que partiu por conta da minha curiosidade e agora permaneço nela apenas para saber até onde seu autor poderia chegar. Estamos aqui falando sobre Fire Punch, o mangá seinen de Tatsuki Fujimoto, mesmo autor de Chainsaw Man, que foi lançado em 2016. Essa obra já está finalizada, com um total de 8 volumes encadernados para seus 83 capítulos, os quais eram publicados originalmente na revista digital Shounen Jump+ entre 2016 e 2018.
Tatsuki Fujimoto ficou muito conhecido recentemente por sua obra Chainsaw Man, porém poucos sabem que esse autor já mostrava seu estilo complexo, maduro, perturbador, gore e implacável muito antes do sucesso recente da história de Denji que até já recebeu adaptação para anime. Em Fire Punch, vemos muito essa forma única de contar sobre um cotidiano visceral, trabalhando temas como a perda, a redenção, a dualidade de vida e morte, a crueldade e desumanidade da natureza humana e, sobretudo, a perspectiva cega da vingança que se torna o único alimento de uma pessoa até o seu fim.
Sinopse:
Fire Punch conta a história de um mundo devastado pela neve e a solidão. Todo mal trazido para esse mundo apocalíptico veio da temida “Bruxa de Gelo”, uma pessoa ‘abençoada’ com um grande poder. Neste mundo distópico, o jovem Agni e sua irmã Luna fazem parte dessa parcela da população que são abençoados com poderes, e no caso deles, ambos possuem o poder da regeneração. Agni e Luna descobrem da pior maneira que as pessoas podem ser cruéis e um desastre trará consequências que nem mesmo essa bênção poderá ajudar, acendendo a chama da vingança eternamente em um coração.
Com uma narrativa não linear, Fire Punch traz muitos flashbacks entre os acontecimentos principais e, aos poucos, vai introduzindo e desenvolvendo seus personagens que possuem suas mais diversas complexidades e só tentam sobreviver nesse mundo cruel onde os humanos, com o vislumbre do fim dos tempos, deixam aflorar seus piores lados. De maneira geral, não temos ali moralidade branca ou preta, são todos de uma tonalidade cinza que vem contrastando com a imensidão pura e branca da neve inexplicável que assolou o mundo. Apesar de ser tudo muito caótico e surreal aos nossos olhos, Fujimoto não traz nenhum exagero e podemos enxergar nossa própria sociedade sob a ótica daqueles seres corrompidos e desesperados.
Essa hecatombe crescente presenciada a cada curva da longa caminhada feita pelo protagonista Agni representa a moral ambígua do ser humano que deixa todos os seus medos e desesperos despertarem seu monstro interior. A principal característica do universo de Fire Punch é o sofrimento, a obscuridade, a brutalidade e a opressão, tudo causado e alimentado pelo próprio ser humano em frente a essa imensa calamidade. O objetivo é nos prender pelo choque e o autor consegue fazer isso muito bem.
E não pensem que a história começa com todos ali felizes para depois começar o sofrimento, pois se vocês também acompanharam Chainsaw Man, vão saber que a felicidade não existe nas obras de Tatsuki Fujimoto. Aqui temos apenas dor, morte, miséria, tormento e todos os outros adjetivos de infortúnios e desgraças que vocês pensarem. Desde os primeiros acontecimentos de seu primeiro capítulo entendemos que aquele mundo não sabe mais o que é alegria, paz e dignidade há muito tempo, tudo refletido também na expressão de ódio de nosso protagonista estampado na capa, envolto em um fogo que aparenta ser infindável e que consumirá não apenas ele, como todos à sua volta.
Não temos aqui uma história de heroísmo, é apenas a mais pura e implacável vingança. Agni é nosso personagem principal que demonstrava sua gentileza e gratidão de maneiras absurdas e não se importava de se sacrificar por aqueles que gostava, mas quando a vida dá uma grande reviravolta e ele acaba perdendo tudo, toda essa polidez e empatia desaparecem, levando-o a iniciar uma jornada sangrenta. Ele nunca morrerá enquanto não cumprir sua vingança e essas chamas jamais se apagarão enquanto ele não morrer.
Durante o enredo desse mangá, entendemos que naquela realidade existem “pessoas abençoadas” que nascem com poderes e uma dessas pessoas cobriu o mundo de gelo, trazendo esse desespero, excesso de frio, escassez de alimentos e, por consequência, inúmeras mortes. Um mundo hostil que agora só conhece o sofrimento e se reflete nas “chamas da vingança” de Agni, um garoto cuja imortalidade o impediu de sucumbir a uma tentativa de assassinato e gerou uma dor física e mental incessante (ambas infindáveis, pois enquanto estiver vivo, ele sempre se lembrará de suas perdas e o fogo nunca irá parar de queimar sua pele). Tudo o que esse garoto deseja é se vingar daquele que lhe tirou tudo e esse fogo nunca apagará, até seu objetivo ser completado.
Não podemos ignorar a beleza da narrativa de Fujimoto que encaixou todos esses elementos de uma maneira extremamente poética e reflexiva, nos levando a entender todos os sentimentos de seu protagonista sem ele precisar ficar nos narrando a todo o momento. Agni aceitava oferecer pedaços de sua carne para que seu vilarejo (e irmã) pudessem viver mais um pouco e isso era possível por conta de sua incrível regeneração, mas as cenas de embrulhar o estômago não param por aí e à medida que a história se desenvolve, mais perturbadora a situação se revela (acreditem, as situações repugnantes irão piorar tanto que o canibalismo vai ser esquecido fácil).
Não existe no enredo algo que apazigue todas as situações, as circunstâncias são cruéis, causam uma dor interna e presenciamos aquele sofrimento intenso em meio às cenas excruciantes com homens sequestrando, estrupando e matando pessoas à sangue frio, apenas porque podem. A desculpa é que estão fazendo apenas por sobrevivência, mas percebemos que isso deixou de ser necessidade e agora se tornou pura maldade e barbaridade. A violência presente em Fire Punch não é apenas física, é também mental.
Agni, nessa trajetória de vingança, se depara com personagens excêntricos e perturbadores, cada um com suas próprias motivações e objetivos. É através de Agni e seus encontros, que o autor questiona a fragilidade da sanidade, a dualidade do bem e do mal, e o papel da vingança na busca por justiça. Não existe empatia e bondade naquele mundo, onde até quando uma criança implora por algo para beber e um guarda oferece sua urina como bebida, apreciando aquela situação de humilhação e sofrimento.
Presenciamos todos os tipos de barbáries e penúrias junto de Agni e seu ódio ultrapassa os traços dos desenhos, assim como também a dor excruciante que ele sente não é só física, pois seu sofrimento interno irá perdurar até sua morte, até aquele fogo apagar e sua vingança encerrar. Mas se observarmos bem, ele não demonstra nenhuma empatia para socorrer os miseráveis em seu caminho, seu único objetivo é incinerar o mal, então os sobreviventes que busquem seu rumo.
No entanto, um personagem singular parece que irá mudar um pouco o coração e a mente do nosso protagonista e, como ainda não terminei minha leitura, estou ansiosa pelo que estará por vir (no fundo torço para que ele complete sua vingança).
Por fim, devo destacar o estilo de traçado dessa obra, em que Tatsuki Fujimoto faz uso de linhas grossas, hachuras e distorções para criar uma atmosfera sombria e opressora que complementa perfeitamente sua narrativa. Além disso, ele também revela uma caracterização de personagens mais expressiva que transmite perfeitamente suas emoções e conflitos internos. Essa obra é para nos desafiar e nos fazer questionar nossos próprios valores e crenças, com uma estética geral fora de alguns padrões cuja intensidade de leitura nos conduz por um mundo cruel, de sofrimento e dilacerado pela dor e pela violência.
Por fim, esse mangá é um grande achado para quem gosta de obras complexas e profundas assim, por isso recomendo muito que busquem essa leitura, porém não é uma história fácil de lidar, muito menos se você for uma pessoa sensível.
É importante ressaltar que Fire Punch contém conteúdo adulto e não é recomendado para menores de idade!
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